13 de Novembro de 2024

Acordo judicial para desmatar o Parque dos Poderes é anulado

Juiz Ariovaldo Nantes cassou decisão que permitiria a devastação de mata nativa para a construção do Palácio da Justiça do TJMS

Sexta-feira, 10 de Maio de 2024 - 14:58 | Redação

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Acordo judicial para desmatar o Parque dos Poderes é anulado
Parque dos Poderes é o centro das discussões sobre desmatamento para a construção de prédios (Governo de MS)

O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, anulou sentença da juíza Elizabeth Rosa Baisch que no dia 15 de janeiro homologou acordo que permitiria o desmatamento de uma área de 18,6 hectares no Parque dos Poderes.

A decisão atendeu embargos de declaração interpostos pela advogada Giselle Marques, que dentre outras considerações, demonstrou que a magistrada não tinha legitimidade para proferir a sentença através da qual o acordo foi homologado.

“Vencemos uma batalha, mas a guerra ainda não acabou e vamos continuar mobilizando a sociedade para que a Justiça não permita a devastação da fauna, da flora e do manancial hídrico existente no Parque dos Poderes”, disse Giselle Marques.

Manobra ilegal

A atabalhoada decisão da juíza Elizabeth Baish só foi possível em função de manobra administrativa ilegal feita pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sérgio Fernandes Martins.

A irregularidade foi denunciada publicamente pelo presidente do Movimento Popular de Preservação da Natureza, Jesus Alfredo Ruiz Sulzer.

Na ocasião, quando o juiz Ariovaldo Nantes estava de férias, Sérgio Martins contrariou o que estabelece o Provimento de número 314/2014, do próprio Tribunal de Justiça, que estabelece os critérios para a substituição dos juízes.

Pela norma, o primeiro substituto de Ariovaldo Nantes seria o titular da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, Marcelo Ivo de Oliveira, que também estava de férias.

Na sequência, estavam aptos a substituí-lo o juiz da Vara Regional de Falências, também de férias na ocasião, e o titular da Vara de Execução Fiscal da Fazenda Pública Municipal, Wagner Mansur Saad, que se encontrava em pleno exercício de suas funções e, mesmo assim, não foi convocado para substituir Ariovaldo Nantes.

Desrespeito às normas

Mesmo existindo a lista, o desembargador Sergio Martins simplesmente atropelou o Provimento 314/2014 e incialmente nomeou a juíza Sandra Regina da Silva Ribeiro Artioli para a substituição “legal” de Ariovaldo Nantes. 

O ato foi publicado no Diário da Justiça em dezembro de 2023, mas a magistrada acabou sendo substituída em função de ter entrado em licença.

No seu lugar, em 8 de janeiro, Sergio Martins nomeou Elizabeth Rosa Baisch, que a exemplo de Sandra Artioli, responde por uma das varas do Juizado Especial.

Ao anular a sentença de Rosa Baish, Ariovaldo Nantes escreveu: “Tendo em conta o evidente interesse da administração do TJ/MS na homologação do acordo como visto linhas atrás, a designação pela administração do TJ/MS de outro juiz fora da ordem natural de substituição deveria se dar com a necessária justificativa, a fim de evitar suspeita de alguma conduta irregular, o que não foi observado e impõe o reconhecimento da nulidade”.

Acordo judicial para desmatar o Parque dos Poderes é anulado
A advogada Giselle Marques: guerra continua (Diário Corumbaense)

Celeridade anormal

Da data em que assumiu como substituta “legal” a vaga de Ariovaldo Nantes Corrêa, em 8 de janeiro, até o dia 15 do mesmo mês, quando foi publicada no site do TJMS a homologação do acordo, passaram-se apenas 8 dias.

Nesse curto espaço de tempo, Rosa Baish estudou todas as 1.600 páginas do processo, extremamente complexo e que tramita há cinco anos, e numa decisão de 15 laudas, baseada apenas nos argumentos das partes interessadas no desmatamento (MPE e PGE), a magistrada proferiu a decisão.

Na sentença, Elisabeth Rosa Baisch caracterizou como “visão romantizada do meio ambiente” a suposição de que a locação de prédios no centro da cidade seria melhor do que a construção de novos prédios em áreas desmatadas no Parque dos Poderes.

Palácio da Justiça

O TJMS é um dos principais interessados no acordo porque existe projeto para a construção do novo Palácio da Justiça no Parque dos Poderes, justamente em uma parte da área que seria desmatada.

Trata-se de uma obra faraônica que mesmo antes de seu início já consumiu mais de R$ 4 milhões, gastos com empresas contratadas por dispensa de licitação. A pedra fundamental do empreendimento foi lançada no final de 2022.

Também tem interesse no desmatamento a Secretaria Estadual de Fazenda, que pretende ampliar o número de vagas de estacionamento. 

Puxão de orelhas

Ao anular a sentença da colega Elizabeth Baish, Ariovaldo Nantes destacou que “devem ser sopesados com a exigência contemporânea em que meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável é uma demanda atual que nada tem de apenas ‘romântica’ ou utópica”.

Ele escreveu na decisão que sempre buscou a conciliação entre as partes, no sentido de construir uma alternativa viável e que melhor atendesse a todos com enfoque no desenvolvimento sustentável.

No entanto, “fui surpreendido com a sentença proferida abruptamente por quem apenas estava em mera substituição durante as férias do titular – algo incompreensível, pois sequer era um processo urgente e se encontrava em curso de prazo para manifestação das partes”.

Conduta incompreensível

“Difícil compreender a conduta da juíza em substituição nesta vara, haja vista que na sentença atacada faz constar expressamente que "o Dr. Ariovaldo Nantes Corrêa, ilustre Juiz titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais, conduziu o feito ao longo desses anos com maestria, imprimindo modelo de organização cooperativa, de forma a permitir uma ampla gama de manifestações e uma robusta coleta de prova técnica", mas desconsidera todo o trabalho feito na construção de uma solução que melhor atendesse ao interesse de todos, mesmo após a ressalva que lhe foi feita pelo titular de que iria realizar nova audiência de tentativa de conciliação para aparar eventuais arestas”, escreveu o magistrado.

“Não é uma ação que se decide na pressa, na urgência ou no afogadilho, mas com cautela, prudência, examinando com o necessário cuidado os interesses em disputa e construindo uma solução que melhor atenda a todos”, pontuou.

Mais adiante, escreveu: “A conduta da juíza em substituição nesta vara destoa daquilo que é praxe entre os juízes quando se substituem em período de férias, pois se ocupam do andamento de processos e medidas urgentes, deixando para o titular os processos mais complexos que são do conhecimento dele, jamais alterando decisão do titular, a não ser em evidente equívoco ou contrariedade à lei, o que não era o caso”.

Interesse do Tribunal

“Tirar da rotina própria um processo que está aguardando decurso de prazo para eventual manifestação das partes, que não é urgente, sendo que a medida liminar havia sido apreciada muito tempo atrás, para proferir rapidamente sentença em processo complexo e do qual não tinha qualquer conhecimento por não haver atuado, mesmo após esclarecimento feito pelo titular, não parece ser uma conduta a ser desconsiderada no exame das alegações feitas pelos embargantes, sobretudo por haver sido designada em desatenção à ordem de substituição desta vara e com evidente interesse da administração do TJ/MS na homologação do acordo e no prosseguimento da obra do "Palácio da Justiça", observou Ariovaldo Nantes.

Direito indisponível

Ariovaldo Nantes também acolheu o argumento de Giselle Marques segundo o qual o Ministério Público não possui legitimidade para transacionar em questões processuais ambientais, já que se trata de direito indisponível.

Sobre essa questão, o magistrado disse que “no tocante a direito indisponível, como o de que trata a presente ação (direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), não é possível ao autor da ação, que defende em nome próprio direito alheio, dispor do conteúdo do direito tutelado como se fosse de sua titularidade exclusiva e de maneira que não consagre a tutela na maior extensão possível, ainda mais considerando os prováveis e graves prejuízos ambientais cogitados na inicial decorrentes do desmatamento da área”.

Edição de nova lei

“Por fim, mas não menos importante, deve-se ainda ressaltar a incongruência na homologação de um acordo em que haja previsão de uma suposta alteração da lei estadual indicada na inicial por outro Poder (Legislativo) para adequá-la aos termos da avença firmada, pois nesse caso a eficácia do ajuste ficará condicionada à anuência de outro Poder, que sequer figurou como interveniente na tratativa, o que poderá esvaziar por completo os próprios efeitos e a autoridade de eventual decisão judicial homologatória, caso não se efetive a alteração, situação que não se pode admitir”, pontuou o magistrado.

Ao finalizar, indaga: “Como ficaria a situação do próximo gestor público, que não participou da avença e que tem uma lei estadual que permite o desmatamento até o limite que estabelece? Não há dúvidas de que essa situação poderia suscitar novas discussões sobre o acordo, até mesmo judicial, se fosse homologado, o que não se mostra minimamente aceitável”.

Por Edir Viégas

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