Depen terá de listar todas as grávidas em prisão preventiva no Brasil
Sábado, 05 de Agosto de 2017 - 06:22 | Redação
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) deverá listar todas as presas preventivas que estão grávidas ou são mães de crianças com até 12 anos. Também deverá indicar qual o estado das unidades prisionais em que estão essas mulheres: se há superlotação, escolta para garantir o acompanhamento da gestação, assistência médica adequada, berçários e creches.
A ordem partiu do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 143.641, apresentado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos. Além da determinação que se assemelha a um censo prisional, há um discussão de fundo na causa: o cabimento de HC coletivo.
O tema já é tratado no Recurso Extraordinário 855.810, que tem o ministro Dias Toffoli como relator, mas sua aplicação prática está em debate no HC 143.641, pois o pedido foi feito em favor de “todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças”.
Lewandowski, inclusive, destaca esse ponto em sua decisão, mas ressalta, independente da validação do instituto, a necessidade de detalhamento da situação das presas: “Embora não se possa descartar de plano a existência, em nosso ordenamento, do Habeas Corpus coletivo [...], entendo imprescindível, até mesmo para firmar a competência deste Supremo Tribunal Federal, identificar as mulheres que estão na situação narrada pelos autores”.
Mulher, presa e mãe - Para os impetrantes do HC, a prisão preventiva de mulheres grávidas tira dessas presas o acesso a programas de saúde, assistência pré e pós-parto e impede que as crianças tenham condições adequadas de desenvolvimento. Afirmam que esse contexto é resultado da falta de estrutura dos presídios para atender gestantes e mães.
“Constitui tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis, e ao respeito à integridade física e moral da presa”, afirmam os advogados.
No HC coletivo, os impetrantes afirmam que, entre os 1478 estabelecimentos penais do país, apenas 48 têm cela ou dormitório adequado para gestantes. Dizem ainda que 32% das unidades femininas e 3% das mistas têm berçários ou centros de referência materno-infantil. Além disso, continuam, as creches existem em 5% das unidades femininas.
Dados de 2014 do Ministério de Justiça mostram que o Brasil tem 821 Cadeias Públicas, 470 Penitenciárias (417 masculinas e 53 femininas), 74 Colônias Agrícolas ou Industriais, 64 Casas do Albergado (57 masculinas e sete femininas), 33 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (28 masculinos e cinco feminino ) e 16 Patronatos.
Em manifestação no processo, a Defensoria Pública do Ceará argumenta que a ação deve ser analisada além do “prisma individualista do Habeas Corpus”, sendo necessária “uma leitura constitucional e sistêmica”. Contrária ao HC, a Procuradoria-Geral da República diz que não há como conceder o HC coletivo pela ausência de “individualização do seu beneficiário”. Complementa dizendo que a concessão do pedido seria uma espécie de “salvo-conduto a um número indeterminado de pessoas”.
Indiferença e desconfiança - A situação dramática do sistema carcerário brasileiro não é novidade alguma. Mas o crescimento vertiginoso da população carcerária aumentou exponencialmente os problemas enfrentados desde sempre.
Em manifestação recente no RE 580.252, ministro Celso de Mello, do Supremo, afirmou que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, vive em “um mundo de ficção” quando o assunto é execução penal, pois convive com “um assustador universo de cotidianas irrealidades em conflito e em completo divórcio”.
O Brasil, continuou o decano do STF, “tem permitido em razão de sua própria inércia, que se transgrida o direito básico do sentenciado de receber tratamento penitenciário justo e adequado, vale dizer, tratamento que não implique exposição do condenado a meios cruéis ou moralmente degradantes, fazendo-se respeitar, desse modo, um dos mais expressivos fundamentos que dão suporte ao Estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana” .
Essa reafirmação da precariedade vivida por homens e mulheres presos por todo o Brasil soma-se a uma outra constatação: o quadro pode ser até pior.
Estudo do Ministério da Transparência (CGU) apontou que as informações sobre o sistema penitenciário brasileiro são precárias e os números não são totalmente confiáveis, o que “dificulta a implementação de políticas públicas”.
Se não bastassem esses dados e afirmações, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostrou que o Brasil é o país da América Latina que menos gasta com seu sistema prisional, alocando o equivalente a 0,06% do Produto Interno Bruto. O estudo do BID analisou o custo financeiro da violência em 17 países da América Latina e do Caribe.
Se o conceito de gastos for ampliado, o percentual sobre para 3,14% do PIB do Brasil em 2014 (US$ 75,894 bilhões). Nesse aumento de escopo são incluídos custos com com segurança privada, polícia, Justiça criminal, gestão de prisões e perdas sociais. A taxa média da região é de 3% do PIB.